O Compromisso de Kigali
Ele (Cristo) é a cabeça do corpo, que é a igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a supremacia. Colossenses 1:18
Saudações desde Kigali, Ruanda, onde a quarta Conferência Global do Futuro Anglicano (Global Anglican Future Conference – GAFCON) aconteceu entre os dias 17 a 21 de abril de 2023, reunindo 1.302 delegados de 52 países, incluindo 315 bispos, 456 outros clérigos e 531 leigos.
Ficamos gratos pela extraordinária hospitalidade oferecida pelo Arcebispo Laurent Mbanda e pela Igreja Anglicana de Ruanda. Ficamos profundamente tristes ao ouvir a notícia da perda do filho de Laurent e Chantal, Edwin, e continuamos a oferecer nossas orações de conforto para a família Mbanda.
Também tivemos o privilégio de sermos recebidos e dirigidos pelo Primeiro Ministro da República de Ruanda, o Honorável Edouard Ngirente, que falou sobre a importância do nosso encontro.
O tema da nossa conferência para 2023 ‘Para quem iremos nós?’ (João 6:68), juntamente com nossos estudos bíblicos na Carta aos Colossenses, concentrou nossa atenção em Jesus, aquele em quem habita corporalmente toda a plenitude de Deus, o Senhor de toda a criação e a cabeça de seu corpo, a Igreja (Colossenses 1:15-19; 2:9).
Nosso presidente em seu discurso de abertura nos incentivou a sermos uma igreja que se arrepende, uma igreja reconciliadora, uma igreja que se multiplica e uma igreja persistentemente compassiva. Esta é a igreja que queremos ser.
Fomos lembrados de que o propósito e a missão da igreja é dar a conhecer a um mundo perdido as gloriosas riquezas do evangelho, proclamando Cristo crucificado e ressuscitado, e vivendo fielmente juntos como seus discípulos.
Nossa Comunhão Mútua
Demos graças pela bondade e pela fidelidade de Deus ao movimento Gafcon desde o seu início em 2008, enquanto nos regozijávamos com uma nova geração de líderes emergentes. É Deus quem nos une a si mesmo e uns aos outros no poder do seu Espírito (1 Coríntios 12:13). Em meio a diversidade de nossas diferentes origens e culturas, nos deleitamos em nossa unidade em Cristo e no amor que compartilhamos.
Muitos de nós vimos de contextos de perseguição ou conflito e sabemos que quando uma parte do corpo sofre, todos sofrem. Por esta razão, alguns não puderam comparecer à conferência. Oramos por nossos irmãos e irmãs no Sudão e pela igreja perseguida. Também ouvimos testemunhos do poder do evangelho para transformar vidas, mesmo nessas circunstâncias, por meio da oração, bondade e compaixão dos cristãos.
A autoridade da palavra de Deus
As atuais divisões na Comunhão Anglicana têm sido causadas por afastamentos radicais do evangelho do Senhor Jesus Cristo. Alguns dentro da Comunhão foram levados cativos por filosofias vazias e enganosas deste mundo (Colossenses 2:8). Tal falha em ouvir e atender à Palavra de Deus prejudica a missão da igreja como um todo.
A Bíblia é a Palavra de Deus escrita, soprada por Deus, como foi registrado por seus fiéis mensageiros (2 Timóteo 3:16). Ela carrega a própria autoridade de Deus, é sua própria intérprete e não precisa ser complementada, nem pode jamais ser anulada pela sabedoria humana.
A boa Palavra de Deus é a regra de nossas vidas como discípulos de Jesus e é a autoridade final na igreja.
Ela fundamenta, vivifica e dirige a nossa missão no mundo. A comunhão que desfrutamos com nosso Senhor ressuscitado e ascendido é nutrida à medida que confiamos na Palavra de Deus, obedecemos a ela e nos encorajamos mutuamente a permitir que ela molde cada área de nossas vidas.
Esta comunhão é quebrada quando nos desviamos da Palavra de Deus ou tentamos reinterpretá-la de qualquer forma que subverta a leitura simples do texto em seu contexto canônico e, assim, negamos sua veracidade, clareza, suficiência e, portanto, sua autoridade (Declaração de Jerusalém #2).
A Crise Atual na Comunhão Anglicana
Apesar de 25 anos de advertências persistentes por parte da maioria dos primazes anglicanos, repetidos afastamentos da autoridade da Palavra de Deus rasgaram o tecido da Comunhão. Esses avisos foram flagrantemente e deliberadamente desconsiderados e agora, sem arrependimento, este rasgo não pode ser restaurado.
O mais recente desses afastamentos é o voto majoritário no Sínodo Geral da Igreja da Inglaterra, em fevereiro de 2023, acolhendo as propostas dos bispos para permitir que casais do mesmo sexo recebam a bênção de Deus. Entristece o Espírito Santo e a nós que a liderança da Igreja da Inglaterra esteja determinada a abençoar o pecado.
Visto que o Senhor não abençoa as uniões entre pessoas do mesmo sexo, é pastoralmente enganoso e blasfemo elaborar orações que invoquem bênçãos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Qualquer recusa em seguir o ensino bíblico de que o único contexto apropriado para a atividade sexual é a união vitalícia exclusiva de um homem e uma mulher em casamento, viola a ordem criada (Gênesis 2:24; Mateus 19:4–6) e põe em risco a salvação (1 Coríntios 6:9).
As declarações públicas do Arcebispo de Cantuária e de outros líderes da Igreja da Inglaterra em apoio às bênçãos para união de pessoas do mesmo sexo, são uma traição aos seus votos de ordenação e sagração para banir o erro e manter e defender a verdade ensinada nas Escrituras.
Estas declarações são também um repúdio à Resolução I.10 da Conferência Lambeth de 1998, que declara que “a prática homossexual é incompatível com as Escrituras” e desaconselha a “legitimação ou a bênção das uniões entre pessoas do mesmo sexo”. Isto ocorreu apesar do Arcebispo de Cantuária ter afirmado que “a validade da resolução aprovada na Conferência de Lambeth de 1998, I.10, não é questionada e que toda a resolução ainda está em vigor”.
A Conferência de Lambeth de 2022 demonstrou as profundas divisões na Comunhão Anglicana, já que muitos bispos optaram por não comparecer e, alguns dos que compareceram, se retiraram da partilha na mesa do Senhor.
O fracasso do Arcebispo de Cantuária e dos outros Instrumentos de Comunhão
Não temos confiança de que nem o Arcebispo de Cantuária nem os outros Instrumentos de Comunhão por ele liderados (a Conferência de Lambeth, o Conselho Consultivo Anglicano e as Reuniões dos Primazes) sejam capazes de proporcionar um caminho divino que seja aceitável para aqueles que estão comprometidos com a veracidade, clareza, suficiência e autoridade das Escrituras. Os Instrumentos da Comunhão não conseguiram manter a verdadeira comunhão baseada na Palavra de Deus e a fé compartilhada em Cristo.
Todos os quatro instrumentos propõem que a direção para a Comunhão Anglicana é aprender a caminhar juntos em “boa discordância”. Entretanto, rejeitamos a afirmação de que duas posições contraditórias podem ser igualmente válidas em assuntos que afetam a salvação. Não podemos “caminhar juntos” em boa discordância com aqueles que deliberadamente escolheram afastar-se da ” fé uma vez por todas confiada aos santos.” (Judas 3). O povo de Deus “anda em seus caminhos”, “anda na verdade” e “anda na luz”, tudo isso exige que não andemos em comunhão cristã com os que estão nas trevas (Deuteronômio 8:6; 2 João 4; 1 João 1:7).
Sucessivos Arcebispos de Cantuária não conseguiram guardar a fé ao convidar para Lambeth bispos que abraçaram ou promoveram práticas contrárias às Escrituras. Este fracasso da disciplina da Igreja foi agravado pelo atual Arcebispo de Cantuária que, por sua vez, acolheu favoravelmente a provisão de recursos litúrgicos para abençoar estas práticas contrárias às Escrituras. Isto torna seu papel de liderança na Comunhão Anglicana totalmente indefensável.
Chamado ao Arrependimento
O arrependimento define e molda a vida cristã e a vida da igreja. A cada dia na Conferência, em resposta à Palavra de Deus na carta aos Colossenses, fomos direcionados a um tempo de arrependimento.
Reconhecendo nossos próprios pecados e humildemente como pecadores perdoados, oramos para que aqueles que negaram a fé cristã ortodoxa em palavras ou atos se arrependam e retornem ao Senhor (Declaração de Jerusalém #13).
Uma vez que aqueles que ensinam serão julgados com mais rigor (Tiago 3:1), convocamos as províncias, dioceses e líderes que se afastaram da ortodoxia bíblica a se arrependerem de sua falha em defender os ensinamentos da Bíblia. Isto inclui assuntos como a sexualidade humana e o casamento, a singularidade e divindade de Cristo, sua ressurreição corporal, seu retorno prometido, o chamado à fé e ao arrependimento e o julgamento final.
Ansiamos por este arrependimento, mas, até que isto aconteça, nossa comunhão com eles permanecerá rompida.
Consideramos que aqueles que se recusam a se arrepender, abdicaram de seu direito à liderança dentro da Comunhão Anglicana, e nos comprometemos a trabalhar com os primazes ortodoxos e outros líderes para restabelecer a Comunhão em seus fundamentos bíblicos.
Apoio aos Anglicanos Fiéis
Desde o início do Gafcon, tem sido necessário que os Primazes do Gafcon reconheçam novas jurisdições ortodoxas para os anglicanos fiéis, como a Igreja Anglicana na América do Norte (ACNA), a Igreja Anglicana no Brasil, a Rede Anglicana na Europa (ANiE), a Igreja de Confissão dos Anglicanos Aotearoa Nova Zelândia e a Diocese da Cruz do Sul. Encorajamos os Primazes do Gafcon a continuar a oferecer esse porto seguro para os anglicanos fiéis.
Em vista da crise atual, reiteramos nosso apoio àqueles que não podem permanecer na Igreja da Inglaterra por causa da falha de sua liderança. Regozijamo-nos com o crescimento da ANiE e de outras redes alinhadas com o Gafcon.
Também continuamos a nos apoiar e a orar pelos anglicanos fiéis que permanecem dentro da Igreja da Inglaterra. Apoiamos seus esforços para manter a ortodoxia bíblica e para resistir às violações da Resolução I.10.
Cuidado Pastoral Apropriado
Conscientes de nosso próprio pecado e fragilidade, nos comprometemos a proporcionar um cuidado pastoral adequado a todas as pessoas em nossas igrejas. Isto é ainda mais necessário no atual contexto de confusão sexual e de gênero, agravado por sua promoção deliberada e sistemática em todo o mundo.
O cuidado pastoral apropriado afirma fidelidade no casamento e abstinência na vida de solteiro. Não é um cuidado pastoral apropriado enganar as pessoas, fingindo que Deus abençoa os relacionamentos sexualmente ativos entre duas pessoas do mesmo sexo. Isto é pouco amoroso, pois os leva ao erro e coloca um obstáculo no caminho de sua herança do Reino de Deus (1 Coríntios 6:9-11).
Afirmamos que cada pessoa é amada por Deus e estamos determinados a amar como Deus ama. Como afirma a Resolução I.10, nos opomos à difamação e à calúnia de qualquer pessoa, inclusive daquelas que não seguem os caminhos de Deus, já que todos os seres humanos são criados à imagem de Deus.
Somos gratos a Deus por todos aqueles que procuram viver uma vida de fidelidade à Palavra de Deus em face de todas as formas de tentação sexual.
Comprometemo-nos a apoiar e cuidar uns dos outros de uma forma amorosa e pastoralmente sensível, como membros do corpo de Cristo, edificando uns aos outros na Palavra e no Espírito, e encorajando uns aos outros a experimentar o poder transformador de Deus enquanto caminhamos pela fé no caminho do arrependimento e da obediência que leva à plenitude da vida.
Redefinindo a Comunhão
Ficamos maravilhados em receber em Kigali os líderes da Fraternidade das Igrejas Anglicanas do Sul Global (Global South Fellowship of Anglican Churches – GSFA) e de termos tido uma reunião conjunta entre os primazes Gafcon-GSFA. Juntos, esses primazes representam a esmagadora maioria (estimada em 85%) dos anglicanos em todo o mundo.
A liderança de ambos os grupos afirmou e celebrou seus papéis complementares na Comunhão Anglicana. Gafcon é um movimento focado em evangelismo e missão, plantação de igrejas e apoio bem como é um lar para anglicanos fiéis que são pressionados ou isoladas por dioceses e províncias revisionistas. O GSFA, por outro lado, está focado em estabelecer estruturas baseadas na doutrina dentro da Comunhão.
Nos alegramos com o compromisso em unidade de ambos os grupos sobre três fundamentos: o senhorio de Jesus Cristo; a autoridade e clareza da Palavra de Deus; e a prioridade da missão da igreja para o mundo. Reconhecemos sua concordância de que a “comunhão” entre igrejas e cristãos deve ser baseada na doutrina (Declaração de Jerusalém #13; Pacto GSFA 2.1.6). A identidade anglicana é definida por isto e não pelo reconhecimento da Sé de Cantuária.
Ambos os Primazes do GSFA e do Gafcon compartilham a opinião de que, devido aos desvios da ortodoxia articulada acima, eles não podem mais reconhecer o Arcebispo de Cantuária como um Instrumento de Comunhão, nem como o “primeiro entre iguais” dos Primazes. A Igreja da Inglaterra optou por prejudicar sua relação com as províncias ortodoxas da Comunhão.
Nós aplaudimos a Declaração da Quarta-feira de Cinzas do GSFA em 20 de fevereiro de 2023, pedindo um restabelecimento e a reordenação da Comunhão. Parabenizamos o convite dos Primazes do GSFA para colaborar com o Gafcon e com os outros agrupamentos anglicanos ortodoxos, para trabalhar juntos a forma e a natureza de nossa vida comum e como devemos manter a prioridade de proclamar o evangelho e fazer discípulos de todas as nações.
Redefinir a Comunhão é um assunto urgente. Ela precisa de uma base adequada e robusta que aborde as complexidades legais e constitucionais das diversas Províncias. O objetivo é que os anglicanos ortodoxos no mundo todo tenham uma identidade clara, um “lar espiritual” global do qual possam se orgulhar, e uma forte estrutura de liderança que lhes dê estabilidade e direção como anglicanos globais. Portanto, nos comprometemos a orar para que Deus guie este processo de redefinição e que o Gafcon e o GSFA se mantenham em sintonia com o Espírito.
Nosso Futuro Juntos
Ao considerarmos o futuro de nosso movimento, acolhemos as sete prioridades a seguir, articuladas pelo Secretário Geral e endossadas pelos primazes do Gafcon.
Nós vamos nos envolver em uma década de discipulado, evangelismo e missão (2023-2033).
Vamos nos dedicar a levantar a próxima geração de líderes no Gafcon por meio da educação teológica baseada na Bíblia que os equipará para serem centrados em Cristo e com um coração de servo.
Vamos priorizar o ministério de jovens e crianças que os instrui na Palavra do Senhor, os discipula até a maturidade em Cristo e os prepara para uma vida inteira de serviço cristão.
Afirmaremos e incentivaremos os ministérios vitais e diversos, incluindo os papéis de liderança, do ministério das Mulheres no Gafcon, agindo na família, igreja e sociedade, tanto como indivíduos quanto como grupos.
Demonstraremos a compaixão de Cristo através dos muitos ministérios de misericórdia do Gafcon.
Nós vamos financiar e apoiar o programa de treinamento de bispos, que produz líderes fiéis, corajosos e servos.
Construiremos os laços de comunhão e edificação mútua através de visitas interprovinciais dos nossos primazes.
Ao sair de nossa conferência, encorajamos o Conselho de Primazes a priorizar também o discipulado para meninos e homens.
A fim de perseguir estas prioridades e de fazer crescer o trabalho do movimento Gafcon, endossamos o estabelecimento de uma fundação para doação. Também encorajamos as províncias Gafcon a se tornarem financeiramente auto-suficientes, não apenas para avançar a missão, mas também para evitar serem vulneráveis à manipulação econômica.
O mais importante de tudo, nós nos comprometemos novamente com a missão evangélica de proclamar o Cristo crucificado, ressuscitado e ascendido, convidando todos a reconhecê-lo como Senhor no arrependimento e na fé, e vivendo uma obediência alegre e fiel a sua Palavra em todas as áreas de nossas vidas. Exploraremos novas maneiras de encorajar uns aos outros, de orar uns pelos outros e de nos responsabilizarmos uns pelos outros nestes pontos.
Nós nos entregamos nas mãos do nosso todo-poderoso e amoroso Pai celestial com a confiança de que ele cumprirá todas as suas promessas e, mesmo através de um tempo de poda, Cristo edificará a sua igreja.
‘Para onde iremos nós?’
Vamos a Cristo, o único que tem as palavras da vida eterna (João 6:68)
e, então, vamos com Cristo para o mundo inteiro. Amém.
Kigali, Ruanda 21 de Abril de 2023